Acabem com o tormento das festas de dia das mães da escola
POR RITA LISAUSKAS
Aproveitem e cancelem a do dia dos pais também
Aproveitem e cancelem a do dia dos pais também
Eu sei que muitas mães gostam dessa
festinha, porque se lembram das celebrações de dia das mães da própria
infância. As crianças ensaiavam músicas e grandes apresentações e, nessas
cerimônias, entregavam os presentes às mães, que iam sempre às lágrimas. A
sua adorava a homenagem e você ficava super orgulhosa em “desfilar” com ela por
aí.
Mas eu preciso te contar uma coisa:
enquanto eu, você e nossas mães nos sentíamos radiantes durante essa
comemoração, muitas outras crianças se sentiam miseráveis. Eu não me esqueço
como uma amiguinha, a Daniela, ficava sempre tensa quando chegava esse dia. A
mãe dela quase nunca conseguia comparecer a essas celebrações. Era “desquitada”,
como se dizia naquela época, ex-marido não queria saber da família e, por isso,
trabalhava dobrado para sustentar os filhos. No dia da tal festa, o chefe não
queria nem saber de liberá-la por algumas horinhas. Lembro da gente pequena,
flores na mão, esperando as mães entrarem na sala de aula para uma dessas
festinhas. A Daniela dizia, baixinho “se ela não vier, eu não vou
perdoar, se ela não vier, não vou perdoar”. A mãe só apareceu lá pelo meio
da apresentação, muito atrasada e com cara de ‘desculpa, filha’. Minha amiga já
estava magoadíssima, inchada depois de verter lágrimas silenciosas para não
atrapalhar a música que os colegas, alheios ao seu sofrimento, cantavam a
plenos pulmões. Havia uma menina órfã de pai na mesma sala. Os pais tinham mais
dificuldade em aparecer nas tais festas, e isso era considerado, mas sempre que
a data chegava ela sofria ao explicar para todo mundo que o pai tinha
morrido quando ela ainda era um bebê e, por isso, aquele homem tão velhinho
fazendo o papel de pai nas festas era, na verdade, o avô.
Confesso que quando meu filho entrou
na escolinha estranhei que, com a chegada do mês de maio, não
tivesse nenhuma convocação para a festinha do dia das mães. Na
sexta-feira anterior à data até recebi um presentinho na mochila – acho que
algum desenho de uma mão gorducha que se imprimiu à folha de sulfite depois de
mergulhada na tinta, uma coisa muito fofa. Mas festa? Nenhuma. Perguntei a
razão à professora e ela me lembrou o óbvio. Nem todos os alunos têm mães, nem
todos os alunos têm pais, outros têm duas mães, nenhum pai, ou dois pais,
nenhuma mãe. Lembrou-me que há crianças que são cuidadas pelos avós, pelos
tios, pelos padrinhos. Eu olhava ao meu redor e via que todas as crianças da
classe do meu filho tinham mães e pais, mas a vida não era assim, estávamos
numa bolha que, a qualquer momento, podia estourar.
E estourou, claro, a bolha sempre
estoura.
Anos depois, essa mesma professora
querida do meu filho morreu em um acidente de carro. A filha dela sobreviveu.
Estuda na escola onde a mãe lecionava (e onde meu filho ainda estuda), lida com
as lembranças doloridas de quem só perdeu pai e mãe na infância sabe quais são
mas, ainda bem, não tem que lidar com o tormento da festa do dia das mães. Um
menino da mesma série do meu filho perdeu o pai para uma dessas doenças que
aparecem sem pedir licença. Duro? Duríssimo! Ainda bem que essa criança não tem
que lidar, também, com o tormento que poderia ser a tal festa do dia dos pais.
Além das mães (e dos pais) que morreram, têm que os que sumiram, os que são
negligentes, os violentos. Seria justo fazer uma criança passar semanas e mais
semanas na expectativa de comemorar algo que, para ela, não merece ser
comemorado só para que eu, mãe da “bolha” possa ter alguns minutos de
felicidade? Não, né?
Por isso muitas escolas acabaram com
as tais festas do dia das mães e dos pais e instituíram o dia da família,
comemorado em uma data aleatória. Nessa festa, o foco é celebrar quem cuida,
acolhe e educa essa criança: são avós, tios, padrinhos, uma mãe-solo, um
pai-solo, dois pais, duas mães e até, olha só, um pai e uma mãe. Em tese, toda
criança tem alguém, ou várias pessoas e elas merecem ser celebradas.
Se eu fico triste por não ter
festinha de dia das mães na escola do meu filho? Ora, ora, eu já sou adulta,
sei lidar com as minhas frustrações.
Fonte: http://emais.estadao.com.br/ RITA LISAUSKAS 09/05/2017, 11h03
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